quarta-feira, 13 de junho de 2012

BIBI FERREIRA FAZ NOVENTA ANOS


Vi Bibi Ferreira poucas vezes. No palco, duas. De perto uma vez, ano retrasado,  em uma loja de shopping aqui em Manaus, por onde circulava anonimamente à vontade, antes da estreia de “Bibi canta e conta Piaf”.
Não deixei de me emocionar ao ver de perto uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos. Como de hábito vestia-se toda de preto, com as pernas dentro de meias  pretas também, e os pés metidos em sapatos de saltos perigosamente altos para a sua idade. Na verdade isso não seria propriamente uma temeridade pois apoiava-se em um belo homem da sua entourage. Extremamente acessível e simpática, deu-me um autógrafo onde se desfez em elogios a Manaus, cidade que não via desde o “Bibi in Concert”, dois anos antes e - suprema gentileza - tirou os óculos escuros  para me beijar.
A primeira vez que vi Bibi em cena foi inesquecível. Estava eu no Rio de Janeiro em 1975  e numa das minhas noites cariocas fui ao teatro Tereza Raquel para assistir “Gota d’Água” de Chico Buarque e Paulo Pontes, direção de Gianni Ratto ,realização de Oduvaldo Vianna Filho. Só cobras.
Sempre digo que qualquer espetáculo é passível de esquecimento. Menos o teatro. Fecho os olhos e vejo com nitidez Bibi na pele da Medeia favelada, a Joana. Magnífica. Um gigante em cena. Inesquecíveis imagens guardadas para sempre.

A segunda vez que a vi foi num tempo muito longe da “Gota d‘Água”. Fui ao Teatro Amazonas para assistir “Bibi canta Piaf”.  Nesse espetáculo que rodou o país, ela  demonstrou todo o conhecimento, adquirido em anos e anos de palco, usando as fórmulas certas de sedução da plateia. Levou o público para onde quis: dos bulevares de Paris aos lances mais dramáticos da infeliz Piaf. O público veio abaixo, cantou, aplaudiu e dançou. Eu, saí com saudade do seu talento dramático, de vê-la em uma interpretação mais elaborada, mais difícil, mais densa. Mais teatro.
Bibi Ferreira veio a Manaus pela primeira vez no início da década de 1940 acompanhando o pai, o lendário Procópio. Passou de novo por aqui em 1947, a caminho de Roraima onde seriam feitas as tomadas de cena do longa metragem “The end of the River”, do diretor inglês  Derek Twist, baseado na novela “Morte de um homem comum”, de Desmond Holdridge. No filme ela protagonizou a personagem Teresa, contracenando com o ator indiano Sabu, no auge da fama. À altura com 25 anos, Bibi também já fazia sucesso no teatro brasileiro. O filme, porém,  não correspondeu às expectativas dos  produtores, não acontecendo na bilheteria nem na crítica.  No entanto,  não compromete a carreira de ninguém; é bem feito, bem interpretado e exótico, ao gosto da época. Hoje é considerado um cult.
Completando noventa anos esta semana, Bibi Ferreira repete em todas as entrevistas comemorativas à data, que não pensa em parar de atuar, e dá as razões: primeiro, porque é o que sabe fazer; depois, porque precisa trabalhar para pagar as suas contas.
Parabéns, Bibi, e ainda muita “merda” pra você.

A SOCIEDADE DO EXAGERO LUXO, LIXO E DESPERDÍCIO


Comprar um perfume, principalmente se ele for francês, me causa um certo  sentimento de culpa. Primeiro pelo preço alto pago por um prazer volátil e momentâneo. Depois pelo tamanho do frasco contido em embalagens pomposas  que só não chegam a ser enganosas por que  lá está escrito, para evitar discussões, a quantidade do  “precioso  líquido” medida em onças  (oz.).
Mas é a embalagem o que mais me incomoda. Para disfarçar o tamanho minúsculo do vidro com as suas onças, o perfume é embalado em uma caixa interna menor, em geral feita de um papel grosso branco, deixando um espaço vazio para erguer a caixa maior, mais  atraente, com a marca famosa, o nome do perfume e algumas informações.
Se você comprar um perfume desses para dar de presente e impressionar alguém, tudo bem, a embalagem está valendo. Mas se for para uso próprio, a embalagem luxuosa torna-se inútil pois ao  chegar em casa será descartada junto com a sacola da loja, acrescentando mais um item para as grandes ilhas de lixo que entopem as cidades e navegam sem rumo pelos  mares.
Da próxima vez que comprar uma roupa dê-se ao trabalho de contar quantas etiquetas você tem que cortar para que não incomodem quando  for usar. Algumas vem também em pequenos cabides que imediatamente vão parar na lixeira.
Outro dia fui a uma dessas lojas de luxo, franqueada do Rio de Janeiro, onde você se sente até intimidada pelo excesso de atenção das vendedoras. Uma delas me perguntou se queria beber alguma coisa. Pedi um copo d’ água ( estavam servindo champanhe também). A moça trouxe a minha água em uma taça tão grande que acredito que só quem voltasse do deserto seria capaz de esvaziá-la. Tomei alguns goles e deixei-a na bandeja.  O resto daquela água deve ter ido pelo ralo assim que eu me retirei. Daquele dia em diante passei a pedir, quando me oferecem, somente “dois dedinhos”de água.
Aliás, o exagero desse tipo de loja se estende ao tamanho das suas sacolas. Loja chique, igual sacolas enormes, não importa o tamanho ou a quantidade dos produtos adquiridos. Será uma jogada de marketing que transforma o comprador em um outdoor ambulante exibindo uma marca? Talvez os marqueteiros, nesse caso,  continuem pensando assim sem se tocar que o efeito pode ser o contrário, porque revela um desperdício inconseqüente,  em confronto com a situação precária do nosso planeta no que se refere ao meio ambiente, que pede atitudes mais contidas e corretas para o bem comum da humanidade. Mas quantas pessoas têm essa consciência?
Outro dia fui a uma lanchonete especializada em massas, onde o freguês pode escolher  mais de uma dezena de ingredientes e molhos por um preço único. Na minha frente uma moça fez um pedido tão estranho que registrei como um exemplo do excesso dos tempos modernos. Ela pediu espaguetti com camarões, bacon, salmão,atum,  alcaparras, queijo coalho, queijo parrmezon, presunto  e azeitonas pretas.  O gosto que se danasse. O certo era aproveitar , tirar vantagem.
Almoçava  com a minha amiga Beth Azize, quando o seu celular tocou. Ao atendê-lo, o modelo antigo chamou a atenção de quem estava à mesa. Era um dos primeiros lançamentos  da Nokia. Alguém tentou fazer piada com o fato, exibindo  um aparelho que calcula, fotografa, grava,  encontra endereços, passa e-mails, transmite programa de televisão e ainda entra no facebook.
Bebete não se abalou: “maninho, o teu  tem lanterna? Pois o meu tem, funciona muito bem até hoje e supre minhas necessidades de comunicação”.
Pontinhos pra você Bebete!

Centro de Manaus é Cemitério da História


Mais um projeto ameaça o arruinado centro histórico de Manaus. Dessa vez o alvo é a avenida Eduardo Ribeiro. Pretende-se criar uma linha de bondes que subam e desçam a avenida, do porto ao Teatro Amazonas. Um passeio pelo  passado com reprodução teatral de um tempo que não volta mais. A obra, que certamente custará milhões de reais, tem como precedente um  outro bonde falso, postado nos arredores do Teatro para servir de pano de fundo às fotos de nativos e turistas. Pousado no chão, o bonde, no entanto, tem o poder de deslocar-se para outros lugares e até chegou a aparecer dentro do palco italiano do Teatro Amazonas. Às vezes volta à Praça ( Largo) de São Sebastião, às vezes, como agora, desaparece sem dar notícias.
A recriação “fake” desse passado tem-se fixado no desgastado “tempo áureo da borracha”, como se a história da cidade começasse e terminasse ali, sem que nada tivesse acontecido antes nem depois. Em vez de fazer da nossa, uma História cenográfica onde tudo soa falso, não seria mais importante, sensato e definitivo restaurar o patrimônio arquitetônico “de verdade” que está a desmoronar na nossa frente na própria avenida Eduardo Ribeiro, assim como na Getúlio Vargas, na Joaquim Nabuco e na área do porto?
O prédio do Ideal Clube , no topo da avenida, por exemplo,  é pura decadência, assim como as casas antigas situadas do outro lado da rua.
Existem pontos da cidade, onde joias da nossa História e da arquitetura de várias épocas se despedaçam ao longo dos anos e dos mandatos de governadores e prefeitos. Um belo exemplo é o cabaré chinelo, que já se pensou em transformar em um teatro, em um centro cultural , em museu e até em biblioteca, mas continua ali, como uma mancha urbana,  exemplo do desrespeito e  da incompetência das autoridades, assustando e pondo em perigo a vida dos cidadãos. Aliás, aquela área, com o conjunto de prédios históricos e a praça transformou-se no cemitério da memória.
Passar pela avenida  Joaquim Nabuco dói na consciência, dá um sentimento de impotência e  uma inevitável sensação de orfandade, de estar vivendo em uma cidade sem mando e sem lei.
Em geral a criação dessas cidades cenográficas que acontece em vários países, está ligada à possível atração do fluxo turístico. No entanto, Manaus é sabidamente uma via de passagem para o que mais interessa ao estrangeiro: a floresta.
Dois lugares de rara beleza, seguramente ótimas atrações para o turismo da cidade estão congelados  no tempo, como os castelos medievais dos contos de fadas. Temos o Mercado Adolpho Lisboa a contar-nos a História da cidade pela sua arquitetura e função, e a Biblioteca Pública Estadual monumento imponente do saber amazonense e do nosso interesse pela leitura. Esses dois prédios estão fechados há muitos anos. Dentro deles escondem-se segredos que não são revelados a nós que somos os seus donos.
Uma cidade que possui esses tesouros reais precisa de cenografia?




Efeitos especiais matam a Sétima Arte


Adoro as histórias de Sherlock Holmes contadas por Sir Arthur Conan Doyle. Tanto, que fiz questão de hospedar-me em um hotelzinho da Baker Street em Londres, para sentir o clima do lugar onde Sherlock e Dr. Watson viveram entre 1881 e 1904.
Devia ser umas seis da tarde quando chegamos ao hotel, na realidade uma pequena casa adaptada para tal função. O ambiente era escuro, iluminado apenas por um abajur cuja cúpula estava coberta por um xale de seda verde. Um velha nos esperava atrás de um pequeno balcão. Havíamos feito reserva no aeroporto e ao dizermos o nosso nome, a mulher abriu um livro empoeirado, tão velho quanto ela, e percorreu a lista de hóspedes sem pressa, com sua longa unha pintada de vermelho sangue, criando um certo suspense. Deu-nos a chave do quarto que ficava no terceiro andar e não tinha banheiro. Uma escada de emergência cortava o janelão onde estava encostada a cama com um colchão de molas.

A emoção de estar ali foi maior do que o cansaço da viagem. Custei a dormir. Aquela escada de incêndio tão próxima da janela sem grades me deixou impressionada. Lá pela madrugada o sono me venceu. Mas por pouco tempo. Acordei com um grito de terror. Era um grito abafado como o de alguém que estivesse sendo esganado. O som vinha das proximidades. Cheguei perto da janela e puxei de uma só vez a cortina. O grito cessou; a rua estava quieta. Mal amanheceu corri à  gerência e perguntei sobre o grito. Ninguém tinha ouvido nada.
Pois foi atrás desse suspense, desse clima, que entrei no cinema para ver “Sherlock Holmes e o Jogo das Sombras”, com Robert Downey Jr. (Sherlock), e  Jude Law ( Dr. Watson). Diante da  ausência do texto primoroso de Doyle, tentei conformar-me com as belas imagens do filme. Impossível: o excesso de efeitos especiais me perturbou a tal ponto que saí do cinema tonta e cheia de dúvidas quanto ao desenrolar da história.
Esqueci que o cinema não é mais o mesmo; virou uma outra coisa, muito distante da chamada Sétima Arte, e muito próxima da tecnologia e do lucro. Admiradora do cinema “de arte”, ora em extinção, foi preciso levar um choque desses para perceber que o público que curte esse tipo de filme e alimenta as estrondosas bilheterias, não entra no cinema para pensar, mas para participar fisicamente do que se passa na tela. Por isso os espectadores, gritam, comem, bebem, se estremecem com os vôos, as quedas abissais, as batidas de carros, a música altíssima, e as cenas a mil por hora.
Entrei no cinema com a expectativa de ver um filme de suspense cerebral, cheio de jogadas inteligentes, instigante, que faz o espectador raciocinar, que dá aos atores a oportunidade de mostrar o seu talento dramático e nos faz voltar para casa admirando a atuação, a fotografia, o jogo de luzes, o argumento, os diálogos e tudo mais que faz de um filme uma obra de arte.
Tudo é válido, mas acho que as distribuidoras deveriam alertar sobre o nível dos efeitos especiais que os filmes contêm: alto, médio, light ou zero, para ninguém entrar no lugar errado.
Estou me programando para ver o filme “ W/E – O Romance do Século ”,  sobre a paixão do príncipe Edward,  que abdicou do trono da Inglaterra pelo amor da americana Wallis Simpson. Será que conseguiram incluir efeitos especiais também nessa história?



Avenida Getúlio Vargas Um triste exemplo



Difícil alguém ficar muito tempo sem passar pela avenida Getúlio Vargas; ninguém escapa. Uma das vias mais importantes e movimentadas da cidade, a Getúlio é uma das mais largas avenidas e talvez uma das menores em extensão. Um trânsito intenso toma conta dela  do amanhecer ao anoitecer no pequeno trecho de apenas  dez quarteirões, que nascem na rua Tarumã e terminam na avenida 7 de Setembro. Um largo passeio separa as duas pistas. Nele estão de pé  aproximadamente  200 árvores, o que dá uma média de 20 árvores por quarteirão, fazendo dela, talvez,  a rua de maior concentração de verde por metro quadrado. É certo que as árvores estão, em sua maioria, baqueadas pelo tempo e a poluição, sem que se note qualquer cuidado com a sua saúde; pelo contrário, elas são agredidas constantemente por podas radicais e, no Natal, pelas luzes que não as deixam sossegar. Mas estão ali, firmes, resistindo pela força da própria natureza. Ah se fossem cuidadas, como não seriam mais belas e generosas!
Na década de 1950/60, a Getúlio Vargas tornou-se um lugar sofisticado para morar, por sua proximidade do centro da cidade. Por essa época foram construídos bangalôs e mansões de estilo moderno, onde residiam pessoas de posses e de alta projeção social. Mais tarde vieram os condomínios de edifícios para a classe média alta.
A partir da década de 1970 o trânsito de veículos aumentou, o centro da cidade começou a dar sinais de violência e avenida começou a morrer do ponto de vista dos negócios imobiliários.  Os donos dos casarões mudaram-se e os puseram à venda, sem sucesso, por anos a fio, abandonando-os mais tarde.
A realidade da avenida atualmente é de completo abandono e ruína. Do lado direito de quem desce em direção ao centro, o quarteirão que faz esquina com a rua Leonardo Malcher exibe há décadas os restos  de um casarão prestes a desabar, tomado pelo mato e trepadeiras que se estendem ao prédio a seu lado, também vazio. Na próxima esquina, com a rua Monsenhor Coutinho, um enorme terreno está vazio há anos, aberto, profundo, sem muro e sem segurança para os pedestres. O trecho entre as ruas  Saldanha Marinho e Henrique Martins parece um pouco mais conservado, embora tenham sido cometidas algumas barbaridades como a desfiguração da casa onde residiu a professora Eldah Bitton Telles da Rocha, cantora lírica, uma das mulheres mais charmosas da cidade, cuja memória poderia estar conservada na casa onde morou, que deveria   ter sido poupada do urbanismo selvagem, até como exemplo da arquitetura da Manaus dos anos 1930.
Mais adiante, no décimo quarteirão, que termina na avenida 7 de Setembro, o Colégio Estadual Pedro II, cuja quadra mal se pode enxergar devido à presença de oito bancas de revistas, quinquilharias, comidas, cópias de documentos e outras que impedem a contemplação do prédio.
Subindo a avenida a partir da 7  de Setembro passa-se ileso pelo antigo cinema Polytheama, com suas pequenas sereias presas à parede, milagrosamente inteiras. No próximo quarteirão, entre as ruas Lauro Cavalcante e  Huascar de Figueiredo, 18 bancas de camelôs estreitam a passagem dos pedestres, tendo como fundo um muro cheio de pichações. Mais acima, a calçada entre as ruas  Huascar e as 24 de Maio bate o recorde de ocupação irregular do espaço público: ali se instalaram 21 bancas de vários tamanhos, estilos e finalidades.
A avenida Getúlio Vargas é um  exemplo do descaso pelo patrimônio de uma cidade.  Depois desse triste passeio restam duas perguntas: não existe fiscalização por parte da Prefeitura? e  por que não conservar os tesouros e as belezas que a cidade já possui?

Leyla Leong