quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sobre livros



Sempre tive curiosidade para saber qual o motivo dos livros , da minha infância até a adolescência, virem com algumas  páginas fechadas. Isso fazia deles objetos de uma certa impaciência gerada pela   curiosidade para começar a lê-los. Antes, porém obedecia-se um ritual: precisava-se ter uma espátula para desvirginar-lhes as páginas. Muitos desses abridores de páginas passaram pelas minhas mãos: de osso, marfim, madeira, de Toledo,  e por último, um de prata, com cabo esmaltado.
Aberto, e antes de começar a leitura, o livro tinha que ser encapado. Havia várias formas de fazê-lo, com dobraduras diferentes.  Em geral usava-se papel madeira, pardo, mas às vezes aproveitava-se restos de papéis  de presente, que eram guardados bem dobrados em uma gaveta. Afinal, vivíamos um tempo em que nada se jogava fora. A seguir, punha-se o nome do proprietário e a data. Leitores  mais refinados mandavam fazer carimbos elegantes. Em geral, punha-se a data, ou o oferecimento de quem o havia presenteado.
Para não perder-se nas páginas, usava-se marcadores de livros. Lembro-me de uns que a minha mãe mandou fazer na Colômbia, por um joalheiro italiano. Eram feitos de prata, com a representação de deuses Chibtas. Em suas viagens pelo mundo, ela sempre trazia marcadores feitos de  papiros, marfim, papéis artesanais.
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Esta edição de “Um Gato na Chuva”, de Hemingway, esclareceu o  mistério literário que me perseguiu por mais de mais de 50 anos. 
Composto e impresso nas oficinas gráficas de Livros do Brasil S.A. ( rua dos Caetanos, 22),um Gato na Chuva” ( “Cat in the rain”), de Ernest Hemingway,  fez parte da Coleção Miniaturas, em cujo elenco  estavam  Albert Camus, Truman Capote, Georges Simenon, François Mauriac, Tennessee Williams  e mais uma dezena de outros autores que não emplacaram.
A coleção de “grandes obras em pequenos volumes” trazia logo na página de rosto uma interessante “Advertência ao Leitor”.
Eila:
“No seu próprio interesse, prezado Leitor, verifique se este livro mantém o lacre branco que sela algumas das suas páginas; neste caso, abra-o, por favor, como abriria um livro não guilhotinado, Isto é, com uma faca, até com um simples cartão, e assim não rasgará as folhas.
Se o livro estiver aberto, rejeite-o, pois é indício de que já foi lido. Defenda a sua saúde não manuseando livros usados”.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

CAÍ NO VESTIBULAR


- Puxa dona Leyla, a senhora me ferrou! -  abordou-me a faxineira do meu prédio.
- Como assim?
- Caiu um texto da senhora no vestibular e eu me ferrei! Como é que eu podia adivinhar o que a senhora tinha na cabeça quando escreveu aquilo? Acho que fui reprovada por sua causa.
Esse comentário foi a gota d’água que transbordou o meu copo que já estava até aqui de raiva. Logo de manhã cedo comecei a receber elogios pelo facebook, por telefone e por e-mail pelo meu texto que havia caído no vestibular da UEA – Universidade do Estado do Amazonas deste ano. Como não sabia de nada, tive que perguntar qual  o texto e fiquei sabendo que  foi “Sabores da Terra”,  que escrevi há uns 7 ou 8 anos a pedido do meu grande amigo Caio Borges, para um folder que a sua agência de publicidade, Oficina de Criação, estava produzindo para a Fumtur – Fundação Municipal de Turismo.
O folder foi publicado, Caio me pagou e o texto ficou um tempo no site da Fumtur a pedido do meu colega jornalista Flávio Cohen. Mais tarde foi publicado em uma revista local ( e pago). Há coisa de dois anos ele vive no meu blog.
Indignada pela apropriação indébita de um produto cultural de minha autoria, consultei um advogado que ficou de procurar um especialista nessa área. Depois pedi conselho a um dos nossos melhores poetas que acabou por jogar um balde de água fria sobre o assunto. “Olha, parece que existe uma cláusula na lei do direito autoral que diz que quando o seu texto é usado para fins `culturais’ não merece qualquer pagamento”.
E que outra finalidade haverá em escrever textos literários se não a cultural? -  me pergunto.
Fico muito admirada de ver com quanta naturalidade o meu direito de autora foi ferido. Fico também abalada diante da descortesia da UEA em nem sequer pedir permissão para o uso, não dar satisfação, não pagar e nem agradecer por um texto que é resultado de anos de estudo, leituras, cursos, prática, tempo e investimento em livros e outros bens culturais.
Por um momento passou-me pela cabeça falar com o Reitor da UEA mas, prevendo o chá de cadeira costumeiro nessas circunstâncias, prefiro registrar o ato de desrespeito dessa instituição mantida pelo Governo do Estado, que, em suma, permite que isso aconteça e tentar receber o pagamento pelo meu trabalho e um pedido der desculpa dessa universidade.
Enquanto isso, pessoas me dão os parabéns pela “homenagem”que a UEA me prestou. Por aí deduz-se o quanto o trabalho artístico é desvalorizado.
Essa atitude da UEA, a meu ver, se desencontra do fim primordial de uma universidade que é o de formar cidadãos, ensinando-lhes ética e outros valores morais.
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Um filme


Um filme brasileiro que dispense a presença de Antonio Fagundes, Tony Ramos, Cauã Raymond, Grazzi  Mazzafera  e outros, já está valendo. Com tantos atores excelentes (e belos, se for preciso) nos palcos brasileiros, o cinema nacional insiste em repetir a dose, sempre com os mesmos atores, por acaso do cast da rede Globo.
Foi com esse alívio, que entrei no cinema para assistir ao filme “Gonzaga – de pai para filho”, de Breno Silveira, cuja filmografia diz tudo do seu gosto pela música brasileira. “Dois Filhos de Francisco” sucesso de crítica e bilheteria está aí para chancelar seu nome como um grande contador de histórias de músicos e intérpretes. Sobre “À Beira do Caminho”  já não posso opinar, mas dizem que é também um  outro filme excelente e de grande público, do mesmo diretor. Infelizmente Roberto Carlos me é insuportável, mesmo quando só as suas canções açucaradas aparecem, e talvez por isso mesmo.
Assim, só posso falar do que vi. “Gonzaga de Pai para Filho” fez voltar à minha memória músicas da minha infância trazidas do nordeste pelos meus avós que eram cearenses. E, creio, trouxe lembranças que estão enraizadas na nossa nacionalidade. O filme poderia ter se perdido na simples biografia do Lua, o Rei do Baião, e já daria um bom resultado. No entanto, Breno Silveira preferiu expor o drama familiar de dois grandes músicos, pai e filho, Gonzaguinha e Gonzagão, com uma sensibilidade e isenção admiráveis. A narrativa desses desencontros emocionais serve de fundo para os sucessos e insucessos da carreira de Luiz Gonzaga e, em paralelo, a do seu filho Gonzaguinha que, mais para a frente, mereceria um filme só dele.
O diretor usou atores e não atores absolutamente desconhecidos das telas, obtendo desempenhos corretos , alguns, e excelentes outros, sem chegar a comprometer. Compôs uma reconstituição de época sem os exageros ( muitas vezes fantasiosos) comuns ao cinema brasileiro que às vezes confunde Rio de Janeiro com Nova York, como no caso de “Heleno”( 2010), de Henrique Fonseca, estrelando Rodrigo Santoro. Ali há uma cena  grotesca de uma cantora fazendo um pastiche de Rita Hayword cantando “Put your blame on me”e mostra Heleno/Santoro, ninando o filho, não com o “Boi da Cara Preta”de Caymmi, mas  com um lullaby em inglês, para ficar mais chique. Uma loucura!
Enfim,”Gonzaga de pai para filho”é  um filme brasileiro. Sem imitações hollywoodianas, sem atores globais, sem cacoetes.
E viva o cinema nacional que parece ter encontrado um novo caminho com filmes como esse, “O Palhaço” (2011),  de Selton Melo e outros excelentes de diretores que tentam dar novos rumos à sétima arte brasileira. 
                                                                                                                                Leyla Martins Leong


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Concurso estimula novos cientistas



Leyla Martins Leong

Quando eu tinha uns sete  para  oito  anos, ganhei de presente de aniversário a coleção completa ( 18 volumes), do “Thesouro da Juventude”. Espécie de enciclopédia, o “Thesouro”, entre outras, tinha a intenção de “estimular o amor à humanidade  através de bons exemplos.  Uma página descreve a terra, o sistema planetário e o cosmos; outra se ocupa dos reinos da Natureza(....) em outra fala dos homens e mulheres célebres, que facilitaram a vida por suas invenções ou a iluminaram por seu pensamento, ou a enobreceram por seus atos” diz o republicano Clóvis
Bevilaqua na introdução à edição brasileira.
Por um descuido dos nossos editores ( a coleção  original é norte-americana), não ficou registrado o ano da publicação, mas pela página 14 dá para sentir a velocidade com que o mundo se desenvolveu e o quanto a ciência avançou de lá para cá. Uma impressionante gravura intitulada “O incomensurável universo”, informa que para chegar à lua o homem teria que fazer uma viagem de 49 dias. A Apollo 11 levou apenas 3  para chegar lá.
Folheando as páginas amareladas do  “Thesouro” da minha infância, o tempo correu para trás e para frente na memória ,ressaltando o conforto do presente e o quanto a ciência sempre esteve a serviço da humanidade para torná-la mais feliz.
Essa constatação me levou aos capítulos em que o livro aborda a vida das pessoas célebres pela nobreza de caráter, pelo posicionamento diante da vida e pela contribuição dada à ciência.
Lembrei-me dos célebres do  Thesouro da Juventude ao ler  a revista “Amazonas faz Ciência” deste mês, editada pela Fapeam – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas.  Na última página, o artigo “Um entusiasta amazônida”, descreve em poucas linhas o perfil de um desses benfeitores da humanidade: o médico Heitor Vieira Dourado ( 1938-2010). Nascido no Pará, Dourado passou a maior parte da sua vida no Amazonas dedicando-se  à pesquisa para a erradicação da malária, doença tropical que em alguns casos pode ser fatal, e que apresentou 300 mil casos no Brasil ano passado, 99% deles na Amazônia Legal.
Como presidente do Conselho Curador da Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera – FDB, cargo que ocupou por alguns anos, Heitor Dourado destacou-se pelo incentivo a  projetos de pesquisa científica no Amazonas.
Eis que agora, a FDB cria o Prêmio de Iniciação Científica Heitor Vieira Dourado com o objetivo de estimular estudantes das Ciências da Saúde a seguir carreira nesse campo, com ênfase na pesquisa sobre doenças tropicais e infectologia, especialidades do patrono do concurso, responsável pela formação de muitos cientistas que foram seus alunos nas Universidades do Amazonas e do Pará, onde lecionou.
O concurso que reverencia este grande amazônida premiará trabalhos de conclusão de curso, PIBIC, dissertação de mestrado, tese de doutorado e monografia sobre doenças tropicais como leishmaniose, malária, oncocercose, tuberculose, filarioses, hepatites e outras. O regulamento pode ser acessado pela internet no  site da FDB.

Assassinato à luz do dia na praça de São Sebastião


Leyla Martins Leong

Foi preciso a força de oito criminosos para consumar o assassinato de uma só árvore. E nem era uma árvore daquelas enormes que vivem na floresta. Era uma pequena mangueira urbana que enfeitava e dava sombra aos caminhantes e namorados na Praça de São Sebastião.
Os oito carrascos acordaram cedo na manhã de sábado para executá-la. O horário, de pouco movimento,  teria sido  ideal,  não fossem os olhos atentos dos funcionários da Rede Rio Mar e de alguns vizinhos madrugadores que testemunharam a morte e imediatamente a denunciaram nas redes sociais, uma vez que é impossível qualquer comunicação com órgãos oficiais nos finais de semana.
Encresparam-se as águas dos defensores da cidade, da Natureza e do cumprimento dos  deveres do poder para com os cidadãos. Descoberto o mandante, veio então a explicação (?): a árvore estava doente e por isso deveria morrer. Sem tratamento, sem esperanças. Medida drástica e fatal.
E vieram também as suposições: ela teria sido cortada porque empatava a visão direta do Teatro Amazonas, fato que estaria estressando os ralos turistas que nos visitam e precisam voltar para casa com pelo menos uma foto justamente daquele ângulo  do Teatro; ou ela, coitada, nasceu no lugar errado, atravessada no caminho do Auto de Natal; ou ainda, ela teria sido morta para dar lugar a um novo quiosque de venda de quinquilharias.
O certo é que essa ação criminosa, que antes passava batida para uma população indiferente, agora toma novas  proporções. Tudo dá a entender que despertamos do longo sono da leseira baré que nos impediu de protestar diante de décadas de desmandos que (quase) destruíram a nossa cidade.
Foi assim que sumiu uma escada caracol toda trabalhada do Mercado Adolfo Lisboa e, de lá também, um relógio alemão  enorme que dava as horas de frente para o rio Negro, algumas penteadeiras  e as portas de madeira nobre e cristal, trabalhadas sobre o tema do guaraná,  que separavam o hall do Teatro Amazonas do acesso à plateia. Os paralelepípedos de borracha que forravam algumas calçadas do centro e outras joias da nossa história. Estátuas, fontes, pavilhões e até bondes somem ou mudam de lugar sem qualquer explicação. Projetos param de funcionar, centros de cultura fecham, abrem, são extintos sem que seus gestores se sintam na obrigação de justificar.
Agora o cidadão aprendeu  a cobrar satisfações dos gastos públicos, dos prazos não cumpridos de obras fantasmas como a restauração do Mercado Municipal Adolpho Lisboa e da Biblioteca Estadual que, somados, se estendem por mais de uma década sem explicações convincentes.
Conscientes da importância da arborização para a beleza e saúde de uma cidade que tem tudo para ser feliz, o povo protesta. O replantio de 500 árvores não compensa a morte de uma sequer, pois a Natureza é única em seu equilíbrio. Os gastos exorbitantes com os  trens  da alegria dos viajantes oficiais que dizem estar promovendo a imagem do Amazonas no exterior ( com o nosso dinheiro, é claro) não compensam nem chegam aos pés do efeito positivo da preservação dos bens públicos  e do respeito aos  cidadãos e à cidade. 

Luiz Bacellar partiu vestido de brumas


Leyla Martins Leong

Domingo à tarde o poeta Luiz Bacellar subiu a escada do céu mansamente, com uma estrela tremeluzindo na mão. Vestia seu paletó de brumas, a camisa de neblina e um arco-íris em gravata atado em nó singelo.
Essas imagens  não são minhas, mas do próprio poeta. São trechos  dos poemas “A escada”, em que usa esse elemento  como símbolo de uma partida definitiva e “O poeta veste-se”, ambos publicados em “Frauta de Barro”, seu livro de estreia .
Luiz Bacellar é, sem dúvida, o maior poeta que o Amazonas nos deu. O mais erudito, o mais sofisticado. Publicou pouco, escreveu pouco, não importa: tudo o que  disse é definitivo, belo, eterno.
Conheci Luiz Bacellar no começo dos anos sessenta, na casa do meu avô, onde aos domingos ele e outros jovens poetas se reuniam para ouvir música erudita. Anos depois pude conhecê-lo mais de  perto , nas reuniões na casa do poeta Elson Farias, casado com minha querida amiga Roseli Franco de Sá, prima de Bacellar. 
O poeta com o nosso gato Tigrinho
na rua das Orquídeas (Conj. Tiradentes)
Nos anos oitenta a nossa amizade estreitou-se sendo frequente a presença do poeta em nossa sala de jantar na Cidade Jardim, mais tarde no conjunto Tiradentes e depois na casa da Praça 14.  Trabalhei um tempo no Teatro Amazonas no finalzinho dessa década. Bacellar visitava a minha sala todos os dias no final da tarde. Conversavamos sobre qualquer assunto entre um e outro cigarro. Podia ser sobre um autor, um espetáculo, uma música, uma comida, pessoas ou bichos. Ele sabia muitas coisas.  Às vezes baixava um silêncio. Às vezes abria o livro que sempre trazia na mão e lia um trecho. 
Certo dia ele me pediu um favor. Pretendia  abrir uma conta bancária   e precisava de uma certa quantia (pouca coisa)  para poder realizar essa operação. Uma exigência bancária. Prometi levar o dinheiro no dia seguinte. Ele insistiu que me daria um documento declarando ser meu  devedor. No outro dia apareceu  com um envelope branco na mão. Dentro dele, um texto manuscrito no qual  se comprometia a devolver a quantia que lhe emprestara na data combinada. Logo abaixo, a data, a assinatura e o sinete impresso no lacre vermelho.
 O poeta tinha estilo e refinamento.
Vestia-se com aparente simplicidade, calça e camisa de linho, chapéu panamá, bengala e um indefectível colete, incorporado ao visual com o advento dos shopping-centers refrigerados, onde costumava refugiar-se do calor manauara. No dedo mindinho, o anel com o sinete.
O endereço do poeta era um mistério para muitos. Não costumava receber visitas. Estava sempre em público, caminhando nas ruas , almoçando em restaurantes, na casa dos amigos, ou “filando” a comida  cheirosa e consistente servida aos funcionários da Livraria Valer.
Nos últimos tempos, antes da desgraça abater-se sobre ele, um dos seus lugares prediletos era a livraria Saraiva. Escolhia uma poltrona discreta e ali passava as tardes num paraíso de livros, histórias e autores. Será que tem livros no céu?

terça-feira, 31 de julho de 2012


CAVIAR & PEIXE FRITO
NO TEATRO
Leyla Martins Leong
Quando o público entrou no Teatro Amazonas na sexta-feira, dia 27,  quarto dia do 7º. Festival Amazonas Jazz, o músico escolhido para ser o homenageado já estava lá, quietinho, sentado na plateia, umas duas fileiras à minha frente. Ele abriria a cena para a apresentação dos convidados que vieram de fora.
A voz empostada do apresentador anunciou Teixeira de Manaus e um foco de luz iluminou a cabeça do músico, para depois  diluir-se em uma  leve penumbra  que envolveu o público enquanto rolava na tela um documentário com imagens antigas do artista, carregado num compasso saudoso demais para o meu gosto.
Quando foi chamado ao palco a atmosfera ficou um pouco mais pesada e em certo momento duas lágrimas rolaram pelo seu rosto redondo enquanto ouvia os elogios do Secretário Robério Braga.  Cheguei a pensar que o show seria cancelado devido ao visível estado emocional do músico.
Mas não foi o que aconteceu. Ao tomar posse do palco e pôr as mãos no instrumento, aquele senhor alquebrado que teve que ser amparado para subir os poucos degraus que o separavam do espaço cênico incorporou o charmoso Teixeira de Manaus que fazia “o som do seu saxofone propagar-se das margens dos rios às copas das árvores da floresta”, como lembrou o meu amigo Aurélio Michiles, encantando homens e mulheres.
“Estou há quatro anos sem tocar, já havia encerrado a minha carreira, mas passei a semana toda treinando” esclareceu o artista dando início a um show que começou frio para depois atingir altas temperaturas, levando ao delírio o público que superlotou o Teatro Amazonas só para vê-lo, reconhecendo um som que está entranhado no nosso dna.
A princípio o espaço pareceu enorme para apenas um tecladista, um percussionista e o saxofonista, fazendo-me pensar que poderia haver um outro elemento de cena para preencher os doze metros daquele palco italiano. Mais uma vez enganei-me: as portas já estavam abertas e o sax do Teixeira de Manaus havia tomado conta do teatro todo, de  todos os corações, como acontecia no tempo em que tocava na floresta.
Mostrando mais uma vez o poder do seu carisma, tudo o que o músico fez no palco valeu a pena. O menor requebro, o mais leve gesto, qualquer frase por mais simples que fosse fizeram o público aplaudir com um entusiasmo agradecido por existir uma arte e um artista tão parecidos conosco.  
Sofisticado, o Festival Amazonas Jazz trouxe nessa sétima edição apresentações do melhor que se tem no gênero, tanto nacional quando internacional. Quando pensaríamos em ter por perto lendas vivas como o Zimbo Trio, Ron Carter Quartet, Eumir Deodato, David Liebman, Grupo Pau Brasil (entre outros)?
Sem dúvida, o Festival foi um luxo intelectual. Uma festa fina onde não podia faltar o sabor refinado do caviar nem a sofisticação da cultura da floresta e do rio, do nosso peixe e do nosso som.
Ficou combinado, então: Teixeira de Manaus vai repetir a dose todos os domingos de agosto no Teatro Amazonas.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

BIBI FERREIRA FAZ NOVENTA ANOS


Vi Bibi Ferreira poucas vezes. No palco, duas. De perto uma vez, ano retrasado,  em uma loja de shopping aqui em Manaus, por onde circulava anonimamente à vontade, antes da estreia de “Bibi canta e conta Piaf”.
Não deixei de me emocionar ao ver de perto uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos. Como de hábito vestia-se toda de preto, com as pernas dentro de meias  pretas também, e os pés metidos em sapatos de saltos perigosamente altos para a sua idade. Na verdade isso não seria propriamente uma temeridade pois apoiava-se em um belo homem da sua entourage. Extremamente acessível e simpática, deu-me um autógrafo onde se desfez em elogios a Manaus, cidade que não via desde o “Bibi in Concert”, dois anos antes e - suprema gentileza - tirou os óculos escuros  para me beijar.
A primeira vez que vi Bibi em cena foi inesquecível. Estava eu no Rio de Janeiro em 1975  e numa das minhas noites cariocas fui ao teatro Tereza Raquel para assistir “Gota d’Água” de Chico Buarque e Paulo Pontes, direção de Gianni Ratto ,realização de Oduvaldo Vianna Filho. Só cobras.
Sempre digo que qualquer espetáculo é passível de esquecimento. Menos o teatro. Fecho os olhos e vejo com nitidez Bibi na pele da Medeia favelada, a Joana. Magnífica. Um gigante em cena. Inesquecíveis imagens guardadas para sempre.

A segunda vez que a vi foi num tempo muito longe da “Gota d‘Água”. Fui ao Teatro Amazonas para assistir “Bibi canta Piaf”.  Nesse espetáculo que rodou o país, ela  demonstrou todo o conhecimento, adquirido em anos e anos de palco, usando as fórmulas certas de sedução da plateia. Levou o público para onde quis: dos bulevares de Paris aos lances mais dramáticos da infeliz Piaf. O público veio abaixo, cantou, aplaudiu e dançou. Eu, saí com saudade do seu talento dramático, de vê-la em uma interpretação mais elaborada, mais difícil, mais densa. Mais teatro.
Bibi Ferreira veio a Manaus pela primeira vez no início da década de 1940 acompanhando o pai, o lendário Procópio. Passou de novo por aqui em 1947, a caminho de Roraima onde seriam feitas as tomadas de cena do longa metragem “The end of the River”, do diretor inglês  Derek Twist, baseado na novela “Morte de um homem comum”, de Desmond Holdridge. No filme ela protagonizou a personagem Teresa, contracenando com o ator indiano Sabu, no auge da fama. À altura com 25 anos, Bibi também já fazia sucesso no teatro brasileiro. O filme, porém,  não correspondeu às expectativas dos  produtores, não acontecendo na bilheteria nem na crítica.  No entanto,  não compromete a carreira de ninguém; é bem feito, bem interpretado e exótico, ao gosto da época. Hoje é considerado um cult.
Completando noventa anos esta semana, Bibi Ferreira repete em todas as entrevistas comemorativas à data, que não pensa em parar de atuar, e dá as razões: primeiro, porque é o que sabe fazer; depois, porque precisa trabalhar para pagar as suas contas.
Parabéns, Bibi, e ainda muita “merda” pra você.

A SOCIEDADE DO EXAGERO LUXO, LIXO E DESPERDÍCIO


Comprar um perfume, principalmente se ele for francês, me causa um certo  sentimento de culpa. Primeiro pelo preço alto pago por um prazer volátil e momentâneo. Depois pelo tamanho do frasco contido em embalagens pomposas  que só não chegam a ser enganosas por que  lá está escrito, para evitar discussões, a quantidade do  “precioso  líquido” medida em onças  (oz.).
Mas é a embalagem o que mais me incomoda. Para disfarçar o tamanho minúsculo do vidro com as suas onças, o perfume é embalado em uma caixa interna menor, em geral feita de um papel grosso branco, deixando um espaço vazio para erguer a caixa maior, mais  atraente, com a marca famosa, o nome do perfume e algumas informações.
Se você comprar um perfume desses para dar de presente e impressionar alguém, tudo bem, a embalagem está valendo. Mas se for para uso próprio, a embalagem luxuosa torna-se inútil pois ao  chegar em casa será descartada junto com a sacola da loja, acrescentando mais um item para as grandes ilhas de lixo que entopem as cidades e navegam sem rumo pelos  mares.
Da próxima vez que comprar uma roupa dê-se ao trabalho de contar quantas etiquetas você tem que cortar para que não incomodem quando  for usar. Algumas vem também em pequenos cabides que imediatamente vão parar na lixeira.
Outro dia fui a uma dessas lojas de luxo, franqueada do Rio de Janeiro, onde você se sente até intimidada pelo excesso de atenção das vendedoras. Uma delas me perguntou se queria beber alguma coisa. Pedi um copo d’ água ( estavam servindo champanhe também). A moça trouxe a minha água em uma taça tão grande que acredito que só quem voltasse do deserto seria capaz de esvaziá-la. Tomei alguns goles e deixei-a na bandeja.  O resto daquela água deve ter ido pelo ralo assim que eu me retirei. Daquele dia em diante passei a pedir, quando me oferecem, somente “dois dedinhos”de água.
Aliás, o exagero desse tipo de loja se estende ao tamanho das suas sacolas. Loja chique, igual sacolas enormes, não importa o tamanho ou a quantidade dos produtos adquiridos. Será uma jogada de marketing que transforma o comprador em um outdoor ambulante exibindo uma marca? Talvez os marqueteiros, nesse caso,  continuem pensando assim sem se tocar que o efeito pode ser o contrário, porque revela um desperdício inconseqüente,  em confronto com a situação precária do nosso planeta no que se refere ao meio ambiente, que pede atitudes mais contidas e corretas para o bem comum da humanidade. Mas quantas pessoas têm essa consciência?
Outro dia fui a uma lanchonete especializada em massas, onde o freguês pode escolher  mais de uma dezena de ingredientes e molhos por um preço único. Na minha frente uma moça fez um pedido tão estranho que registrei como um exemplo do excesso dos tempos modernos. Ela pediu espaguetti com camarões, bacon, salmão,atum,  alcaparras, queijo coalho, queijo parrmezon, presunto  e azeitonas pretas.  O gosto que se danasse. O certo era aproveitar , tirar vantagem.
Almoçava  com a minha amiga Beth Azize, quando o seu celular tocou. Ao atendê-lo, o modelo antigo chamou a atenção de quem estava à mesa. Era um dos primeiros lançamentos  da Nokia. Alguém tentou fazer piada com o fato, exibindo  um aparelho que calcula, fotografa, grava,  encontra endereços, passa e-mails, transmite programa de televisão e ainda entra no facebook.
Bebete não se abalou: “maninho, o teu  tem lanterna? Pois o meu tem, funciona muito bem até hoje e supre minhas necessidades de comunicação”.
Pontinhos pra você Bebete!

Centro de Manaus é Cemitério da História


Mais um projeto ameaça o arruinado centro histórico de Manaus. Dessa vez o alvo é a avenida Eduardo Ribeiro. Pretende-se criar uma linha de bondes que subam e desçam a avenida, do porto ao Teatro Amazonas. Um passeio pelo  passado com reprodução teatral de um tempo que não volta mais. A obra, que certamente custará milhões de reais, tem como precedente um  outro bonde falso, postado nos arredores do Teatro para servir de pano de fundo às fotos de nativos e turistas. Pousado no chão, o bonde, no entanto, tem o poder de deslocar-se para outros lugares e até chegou a aparecer dentro do palco italiano do Teatro Amazonas. Às vezes volta à Praça ( Largo) de São Sebastião, às vezes, como agora, desaparece sem dar notícias.
A recriação “fake” desse passado tem-se fixado no desgastado “tempo áureo da borracha”, como se a história da cidade começasse e terminasse ali, sem que nada tivesse acontecido antes nem depois. Em vez de fazer da nossa, uma História cenográfica onde tudo soa falso, não seria mais importante, sensato e definitivo restaurar o patrimônio arquitetônico “de verdade” que está a desmoronar na nossa frente na própria avenida Eduardo Ribeiro, assim como na Getúlio Vargas, na Joaquim Nabuco e na área do porto?
O prédio do Ideal Clube , no topo da avenida, por exemplo,  é pura decadência, assim como as casas antigas situadas do outro lado da rua.
Existem pontos da cidade, onde joias da nossa História e da arquitetura de várias épocas se despedaçam ao longo dos anos e dos mandatos de governadores e prefeitos. Um belo exemplo é o cabaré chinelo, que já se pensou em transformar em um teatro, em um centro cultural , em museu e até em biblioteca, mas continua ali, como uma mancha urbana,  exemplo do desrespeito e  da incompetência das autoridades, assustando e pondo em perigo a vida dos cidadãos. Aliás, aquela área, com o conjunto de prédios históricos e a praça transformou-se no cemitério da memória.
Passar pela avenida  Joaquim Nabuco dói na consciência, dá um sentimento de impotência e  uma inevitável sensação de orfandade, de estar vivendo em uma cidade sem mando e sem lei.
Em geral a criação dessas cidades cenográficas que acontece em vários países, está ligada à possível atração do fluxo turístico. No entanto, Manaus é sabidamente uma via de passagem para o que mais interessa ao estrangeiro: a floresta.
Dois lugares de rara beleza, seguramente ótimas atrações para o turismo da cidade estão congelados  no tempo, como os castelos medievais dos contos de fadas. Temos o Mercado Adolpho Lisboa a contar-nos a História da cidade pela sua arquitetura e função, e a Biblioteca Pública Estadual monumento imponente do saber amazonense e do nosso interesse pela leitura. Esses dois prédios estão fechados há muitos anos. Dentro deles escondem-se segredos que não são revelados a nós que somos os seus donos.
Uma cidade que possui esses tesouros reais precisa de cenografia?




Efeitos especiais matam a Sétima Arte


Adoro as histórias de Sherlock Holmes contadas por Sir Arthur Conan Doyle. Tanto, que fiz questão de hospedar-me em um hotelzinho da Baker Street em Londres, para sentir o clima do lugar onde Sherlock e Dr. Watson viveram entre 1881 e 1904.
Devia ser umas seis da tarde quando chegamos ao hotel, na realidade uma pequena casa adaptada para tal função. O ambiente era escuro, iluminado apenas por um abajur cuja cúpula estava coberta por um xale de seda verde. Um velha nos esperava atrás de um pequeno balcão. Havíamos feito reserva no aeroporto e ao dizermos o nosso nome, a mulher abriu um livro empoeirado, tão velho quanto ela, e percorreu a lista de hóspedes sem pressa, com sua longa unha pintada de vermelho sangue, criando um certo suspense. Deu-nos a chave do quarto que ficava no terceiro andar e não tinha banheiro. Uma escada de emergência cortava o janelão onde estava encostada a cama com um colchão de molas.

A emoção de estar ali foi maior do que o cansaço da viagem. Custei a dormir. Aquela escada de incêndio tão próxima da janela sem grades me deixou impressionada. Lá pela madrugada o sono me venceu. Mas por pouco tempo. Acordei com um grito de terror. Era um grito abafado como o de alguém que estivesse sendo esganado. O som vinha das proximidades. Cheguei perto da janela e puxei de uma só vez a cortina. O grito cessou; a rua estava quieta. Mal amanheceu corri à  gerência e perguntei sobre o grito. Ninguém tinha ouvido nada.
Pois foi atrás desse suspense, desse clima, que entrei no cinema para ver “Sherlock Holmes e o Jogo das Sombras”, com Robert Downey Jr. (Sherlock), e  Jude Law ( Dr. Watson). Diante da  ausência do texto primoroso de Doyle, tentei conformar-me com as belas imagens do filme. Impossível: o excesso de efeitos especiais me perturbou a tal ponto que saí do cinema tonta e cheia de dúvidas quanto ao desenrolar da história.
Esqueci que o cinema não é mais o mesmo; virou uma outra coisa, muito distante da chamada Sétima Arte, e muito próxima da tecnologia e do lucro. Admiradora do cinema “de arte”, ora em extinção, foi preciso levar um choque desses para perceber que o público que curte esse tipo de filme e alimenta as estrondosas bilheterias, não entra no cinema para pensar, mas para participar fisicamente do que se passa na tela. Por isso os espectadores, gritam, comem, bebem, se estremecem com os vôos, as quedas abissais, as batidas de carros, a música altíssima, e as cenas a mil por hora.
Entrei no cinema com a expectativa de ver um filme de suspense cerebral, cheio de jogadas inteligentes, instigante, que faz o espectador raciocinar, que dá aos atores a oportunidade de mostrar o seu talento dramático e nos faz voltar para casa admirando a atuação, a fotografia, o jogo de luzes, o argumento, os diálogos e tudo mais que faz de um filme uma obra de arte.
Tudo é válido, mas acho que as distribuidoras deveriam alertar sobre o nível dos efeitos especiais que os filmes contêm: alto, médio, light ou zero, para ninguém entrar no lugar errado.
Estou me programando para ver o filme “ W/E – O Romance do Século ”,  sobre a paixão do príncipe Edward,  que abdicou do trono da Inglaterra pelo amor da americana Wallis Simpson. Será que conseguiram incluir efeitos especiais também nessa história?



Avenida Getúlio Vargas Um triste exemplo



Difícil alguém ficar muito tempo sem passar pela avenida Getúlio Vargas; ninguém escapa. Uma das vias mais importantes e movimentadas da cidade, a Getúlio é uma das mais largas avenidas e talvez uma das menores em extensão. Um trânsito intenso toma conta dela  do amanhecer ao anoitecer no pequeno trecho de apenas  dez quarteirões, que nascem na rua Tarumã e terminam na avenida 7 de Setembro. Um largo passeio separa as duas pistas. Nele estão de pé  aproximadamente  200 árvores, o que dá uma média de 20 árvores por quarteirão, fazendo dela, talvez,  a rua de maior concentração de verde por metro quadrado. É certo que as árvores estão, em sua maioria, baqueadas pelo tempo e a poluição, sem que se note qualquer cuidado com a sua saúde; pelo contrário, elas são agredidas constantemente por podas radicais e, no Natal, pelas luzes que não as deixam sossegar. Mas estão ali, firmes, resistindo pela força da própria natureza. Ah se fossem cuidadas, como não seriam mais belas e generosas!
Na década de 1950/60, a Getúlio Vargas tornou-se um lugar sofisticado para morar, por sua proximidade do centro da cidade. Por essa época foram construídos bangalôs e mansões de estilo moderno, onde residiam pessoas de posses e de alta projeção social. Mais tarde vieram os condomínios de edifícios para a classe média alta.
A partir da década de 1970 o trânsito de veículos aumentou, o centro da cidade começou a dar sinais de violência e avenida começou a morrer do ponto de vista dos negócios imobiliários.  Os donos dos casarões mudaram-se e os puseram à venda, sem sucesso, por anos a fio, abandonando-os mais tarde.
A realidade da avenida atualmente é de completo abandono e ruína. Do lado direito de quem desce em direção ao centro, o quarteirão que faz esquina com a rua Leonardo Malcher exibe há décadas os restos  de um casarão prestes a desabar, tomado pelo mato e trepadeiras que se estendem ao prédio a seu lado, também vazio. Na próxima esquina, com a rua Monsenhor Coutinho, um enorme terreno está vazio há anos, aberto, profundo, sem muro e sem segurança para os pedestres. O trecho entre as ruas  Saldanha Marinho e Henrique Martins parece um pouco mais conservado, embora tenham sido cometidas algumas barbaridades como a desfiguração da casa onde residiu a professora Eldah Bitton Telles da Rocha, cantora lírica, uma das mulheres mais charmosas da cidade, cuja memória poderia estar conservada na casa onde morou, que deveria   ter sido poupada do urbanismo selvagem, até como exemplo da arquitetura da Manaus dos anos 1930.
Mais adiante, no décimo quarteirão, que termina na avenida 7 de Setembro, o Colégio Estadual Pedro II, cuja quadra mal se pode enxergar devido à presença de oito bancas de revistas, quinquilharias, comidas, cópias de documentos e outras que impedem a contemplação do prédio.
Subindo a avenida a partir da 7  de Setembro passa-se ileso pelo antigo cinema Polytheama, com suas pequenas sereias presas à parede, milagrosamente inteiras. No próximo quarteirão, entre as ruas Lauro Cavalcante e  Huascar de Figueiredo, 18 bancas de camelôs estreitam a passagem dos pedestres, tendo como fundo um muro cheio de pichações. Mais acima, a calçada entre as ruas  Huascar e as 24 de Maio bate o recorde de ocupação irregular do espaço público: ali se instalaram 21 bancas de vários tamanhos, estilos e finalidades.
A avenida Getúlio Vargas é um  exemplo do descaso pelo patrimônio de uma cidade.  Depois desse triste passeio restam duas perguntas: não existe fiscalização por parte da Prefeitura? e  por que não conservar os tesouros e as belezas que a cidade já possui?

Leyla Leong

quinta-feira, 1 de março de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

LIVROS QUERIDOS DIZEM COISAS ALÉM DOS TEXTOS

Livrarias são locais perigosos para mim. Dentro delas não me contenho, me apaixono facilmente, não consigo sair sem levar comigo  nem que seja um livro e aquela angustia pesada de não trazer para casa mais uns dois ou três. Títulos, histórias, estilos, autores, formatos e capas me deixam totalmente enfeitiçada.
Bibliotecas também me fascinam ( pena que a biblioteca da nossa cidade esteja fechada há anos). Mas também me encantam os meus próprios livros; vivo cercada deles. Tenho também muita atração pela estética dos livros. O livro em si, como objeto. Livros antigos, de capas forradas de pano são lindos; há também outros com capas feitas de couro com desenhos dourados e até com as páginas banhadas a ouro. Tenho alguns livrinhos bem pequenos, em formatos ora em desuso, como “Proverbs and Maxims”, coletadas por John L. Rayner, editado pela Cassel and Company, Ltd. da Inglaterra( 12x7 cm) 251 páginas. O livro pertenceu ao meu avô, e traz aproximadamente quatro mil provérbios organizados por assunto. “Ressurreição”, de Leon Tolstoi (Civilização Brasileira S.A, 1936),  tem também um formato nunca mais visto ( 14x9cm). Fazia parte das Coleções Econômicas, só de clássicos da literatura universal como Balzac, Dostoiévsky, Dumas. Minha mãe leu os dois volumes desse livro quando estava grávida de mim.  A Bôlsa Editora do Livro , lançou  na mesma época coleções do mesmo formato, cujo slogan era “livro de bôlso sem PESAR na sua Bôlsa”. Também leu Émile Zola, cujo nome a editora Guimarães & Cia. de Lisboa aportuguesou para Emilio Zola,  por obra e graça de um tradutor que assinava com o pseudônimo de Pandemônio.

Livros revelam histórias paralelas às que estão impressas no papel. Encontrei na biblioteca da família, um que me chamou a atenção: “A Surdez de Beethoven”, de Octacilio Lopes, presumo que uma edição do autor, datada de 1929, impressa na Nova Graphica Bahia. Por essa época, as pessoas marcavam os livros com os seus nomes. O livro pertenceu primeiro à minha avó, Ana Telles de Souza, que depois deve tê-lo dado de presente à minha tia Elza ( na certa  porque  ela tocava piano e apreciava Beethoven) que riscou o nome da mãe  para colocar o dela e a data: 13.8.1933. O autor era médico otologista, o que corresponderia hoje a um otorrinolaringologista, creio eu, e o pequeno livro  é a conferência feita por ele aos doutorandos de 1927 
( certamente na Faculdade de Medicina da Bahia), onde o meu avô estudou.

As capas são um capítulo à parte. Na década de 1960 Jorge Amado estava no auge. Li tudo dele, que havia se tornado um best seller. Tenho a nona edição ( 1960)  de “Jubiabá”, da Livraria Martins Editora, com capa de Clovis Graciliano . À época os livros eram numerados para controle do autor: o meu é o número 1069. Tenho muitos outros de Jorge Amado, com capas e ilustrações de Carybé e de Santa Rosa.
Encontrei ainda entre meus livros a 17ª. Edição ( 66º. milhar, edição definitiva) de “A Selva”de Ferreira de Castro, Ed. Guimarães, de Portugal, que começa assim: “fato branco, engomado, luzidio, do melhor H.J. ( ...) o senhor Balbino entrou na “Flor da Amazônia”mais rabioso do que nunca.....


Leyla Martins Leong

A GRAÇA DA VIDA ESTÁ NAS PEQUENAS COISAS


Para minha amiga Neide Gondim


O carinho começou de véspera, dentro de um prosaico super mercado onde ela escolheu com cuidado, sem pressa, o melhor feijão, os maços de couve mais viçosos , os pés de porco, as costelinhas, os chouriços, a carne seca e os outros ingredientes de uma  feijoada .
Com exceção da couve, que é preparada pouco antes do prato ser servido, tudo foi posto de molho à noite, para estar macio no dia seguinte. Enquanto catava os grãos e cortava as carnes pensava nos amigos que iriam sentar-se à sua mesa  para degustar uma comida feita com as suas próprias mãos, com o maior carinho, somente para agradá-los.
Na manhã seguinte bem cedo acendeu o fogo, dando início à cerimônia sagrada de preparar o alimento, cujo aroma não tardou a espalhar-se pela casa  prenunciando delícias.
Mais tarde estendeu sobre a mesa a brancura de uma toalha bordada e engomada, sobre a qual dispôs a louça, sem qualquer receio quanto à possibilidade de manchas indeléveis ou de desfalque da baixela. Gestos de amor são assim: arriscados e generosos.
Quando o prato principal já estava encaminhado, as panelas alegres e fumegantes, foi a vez dos doces. Sem descansar, quebrou e bateu ovos, peneirou e misturou o açúcar, derramou o leite devagarzinho alternando com a manteiga, até que a massa ficasse bem branquinha e o seu braço cansasse.  Esperou o forno esquentar antes de colocar a forma para assar em banho-maria  e ficou por ali, aguardando que o cheirinho do pudim dominasse a casa.
Só então entrou no quarto para tomar banho e se perfumar para receber os amigos. Estava radiante e o coração pulsava leve. Afinal vinha exercitando o amor há pelo menos 24 horas.
A cada abraço, o cansaço do trabalho braçal da cozinha foi se apagando como por milagre, até desaparecer por completo no frescor das conversas.
Quem recebe amigos com generosidade, seja ela de qualquer dimensão, em mesas ricas ou pobres  alimenta não só o corpo mas algo mais sutil, misterioso e intangível. Quem assim o faz celebra a amizade e agradece ao destino que escolheu pessoas tão queridas para lhe fazer companhia nos caminhos da vida. Quem recebe se entrega e escancara o seu amor pelos amigos, doa seu tempo, talento e graça para fazê-los felizes por alguns momentos, pelo sabor de uma comida, o toque de uma taça, o riso facilitado por uma bebidinha.
Quem aceita o convite para compartilhar um alimento deve sentir-se privilegiado por ter sido chamado para aquele momento tão especial e ao mesmo tempo tão cotidiano, cuja intenção, aparentemente pequena e trivial é, na verdade,  uma das maiores expressões do amor entre as pessoas.
Ao receber um convite não falte. Se não puder ir avise, justifique a ausência  e agradeça.
Se aceitar, reverencie aquele que abre a porta da casa e do coração para recebê-lo. Agradeça a gentileza e não esqueça nunca de retribuir.

Leyla Martins Leong

domingo, 15 de janeiro de 2012

OS RICOS E OS QUE TÊM DINHEIRO UMA FARSA TELEVISIVA





O ano abriu com pelo menos três realities shows simultâneos, provando que a fórmula funciona e dá Ibope neste país sem leitura: o desgastado BBB,  da Globo, onde pessoas sem qualquer relevo dizem e fazem bobagens durante 24 horas sem parar por  três longos meses; a promessa diferente da Record, que aposta no apelo da causa ambientalista  e  uma novidade bizarra,  “Mulheres Ricas”, da Band que largou na frente, estreando semana passada.
Dele fazem parte cinco mulheres de meia idade com  fortes e indisfarçáveis  interferências cirúrgicas, em desacordo com a idade declarada. Uma joalheira ( Lydia  Lopes); uma arquiteta ( Brunette Fraccaroli);uma empresária e apresentadora ( Val Marchiori ) ; uma piloto ( a ex-sem-terra Débora Rodrigues) e a socialite carioca Narcisa Tamborindeguy, cuja missão é compartilhar com o público o dia a dia das muito “ricas”.
Com exceção de Narcisa,   que pelo menos duas vezes ao ano comparece a  algum programa de televisão ou a umas poucas linhas na Caras, e Débora Rodrigues, a ex-sem terra que foi capa da Playboy, as outras três são ilustres desconhecidas.
A estréia mostrou de cara que a realidade do programa passa tão longe quanto os delírios de uma tela de Salvador Dalí,.
Exageradíssimas em suas performances, essas mulheres ficam na superficialidade, confundindo o papel de ricas  com o de peruas desvairadas que não temem desafiar a população de famintos deste país de miseráveis, com ostentações  grosseiras e  interpretações sem nenhum talento do papel que lhes foi confiado.
A boba alegre Narcisa começa desafiando as outras quando  declara ser a única rica do time porque a sua fortuna é de “nascença”. Lydia, a joalheira  abre o jogo dizendo que os ricos têm que gastar para que  o dinheiro “gire”. A arquiteta Brunette Fraccaroli é um prato cheio para os  psicanalistas, quando assume o papel da boneca Barbie. Em uma cena ela diz que o seu cachorrinho é gente e que ela gostaria de ser um cachorrinho também. Cuidado, Brunette, os deuses ouvem tudo e você pode voltar como  cachorro de madame na outra encarnação e ser tratado como gente, para ver como deve ser bom ser castrado e educado. A sem terra Débora Rodrigues, hoje uma mulher com muito dinheiro, mostrou-se um pouco deslocada no programa de  estréia, ainda sem saber como entrosar-se no mundo fútil, não das ricas, que essas trabalham, mas no das peruas.
Val Marchiori, a mais enjoativa de todas é o tipo mais comum de quem pensa que é rica. Tem dela em todos os lugares. Manaus está cheia. São mulheres ostensivas e inconseqüentes, cafonas e mal educadas.
Essas mulheres têm dinheiro, mas não são ricas. É que rico é outra coisa. Para começo de conversa, rico  jamais entraria nessa fria de aparecer em um reality show e muito menos para mostrar que tem dinheiro. Eles não querem a evidência. Em primeiro lugar, o que os ricos mais temem é o imposto de renda, depois os ladrões, a concorrência, as ex-mulheres e seus pedidos de pensão. Rico é um ser discretíssimo que pouco aparece. Suas festas são exclusivas e quase sempre fora do Brasil, que é para não chocar a opinião pública e, em alguns casos,  evitar investigações sobre a procedência de tanto dinheiro.

Leyla Martins Leong

Um bom livro: " Os Gatos "





(...) gatos são elegantes e silenciosos e têm efeito decorativo; uns leõezinhos relativamente dóceis, andando pela casa.(...) Um gato faz de um lar, um lar ; com um gato um escritor não está só, no entanto, está sozinho o bastante para trabalhar. Mais do que isso, um gato é uma obra de arte ambulante, dorminhoca e em constante transformação. ( ...). Trechos de “Os gatos”, de Patricia Highsmith , escritora americana conhecida pelos seus thrillers psicológicos. “Os gatos”é um livrinho delicioso de 118 páginas, da L&PM Pocket ( ao redor de R$ 8,00). São três histórias, três poemas, um ensaio e 7 desenhos da autora tendo o gato como assunto. Highsmith é também autora de “O talentoso Ripley”( lembram do filme?). Imperdível para quem gosta desses bichinhos.

Leyla Martins Leong

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Clint Eastwood

Clint Eastwood

Há coisas inevitáveis. A velhice é uma delas. Daí para a frente só fica valendo o talento e a graça. Dizem que Deus deu a graça às criancinhas para que os adultos relevem as suas criancices. Na velhice não é tão fácil assim, porque se na infância as coisas se somam, na velhice elas vão se perdendo: a beleza, a força, o charme e até a inteligência ( dizem).

O negócio então, é assumir; assumir tudo, inventando atrativos outros, como a sabedoria, o senso crítico e uma outra beleza, dessa vez a real, sem retoques.

O magnífico Clint Eastwood foi um homem lindo na sua juventude e agora, sem plástica nem photoshop, continua na ativa, filmando, dirigindo e belo em seus 81 anos.

Leyla Martins Leong

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

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O amor aos animais e a educação dos humanos

Ter um bichinho de estimação deveria ser obrigatório para a educação do ser humano. Quem tem ou teve um sabe muito bem do que estou falando. O coração se refina, a solidariedade aflora e a compreensão e a harmonia entre todos os seres vivos passa a ser um forte traço de caráter.
Eu tive vários que deram um colorido especial à minha infância, tanto gatos quanto cachorros. Quando morei em Letícia, cidade colombiana na fronteira com o Brasil e o Peru, tínhamos sete gatos, que afiavam as unhas nos troncos das árvores do quintal e faziam a sesta no sofá da sala. Aliás um deles, o Picolé, dormia no prato da vitrola onde meu pai ouvia árias de óperas.
Cachorros também tivemos alguns, que acompanharam várias gerações da família. A começar pelo Vampa I ( teve o II), um vira-lata amarelo de pelo curto e rabo enroscado, que acompanhava meu avô em suas andanças pelo centro de Manaus e era o personagem que ele escolheu para fazer piadas sobre seus amigos e desafetos. Sempre era o Vampa que emitia as opiniões mais ferinas, como na história em que o cachorro adoeceu e meu avô disse que ia levá-lo a um médico de má fama muito conhecido em Manaus. O cachorro ajoelhou-se, juntou as patinhas e suplicou: não, ele não, prefiro morrer…
Na casa da Saldanha Marinho chegaram a morar nove pessoas, quatro cachorros, Tiquinho, o macaquinho de cheiro que chorava de saudade quando alguém viajava, e um inexplicável rouxinol do Rio Negro que vivia solto e dormia na mangueira do quintal.
Os cachorros dos amigos também eram nossos amigos, como a cachorrinha Flora, da querida Eldah Bitton, e Tetéia e Gotinha, da prima Fernanda, cujos aniversários eram comemorados comme Il faut, com bolo, velinhas, guaraná e vatapá, com direito a fotos que ainda temos nos álbuns da família.
De volta a Manaus, no final da década de 1950, trouxemos o Zippo, um dachshund preto que causou sensação, pois até aquele momento era o primeiro e único daquela raça na cidade. Zippinho morreu de velhice deixando vasta prole, resultado dos seus romances com as vira-latas nativas.
Manaus era uma cidade pequena. Cachorros circulavam e dormiam tranquilamente nas ruas. Eram poucos, conhecidos e alimentados pelas vizinhanças. Havia um certo respeito e solidariedade para com aqueles bichos de destino tão triste. Ninguém os maltratava.
Infelizmente hoje a cidade está cheia de cães e gatos ( alguns de raça), abandonados nas ruas pelos seus donos para que morram e sumam das suas vidas. Essa atitude cruel está se tornando um problema urbano, minimizado por um pequeno grupo de pessoas que assume esses animais e os oferece para adoção.
Minhas homenagens a Amélia, Irinéia, Betsy, Érica, Necy, Carol, Luciana, Nídia, Marieny, Denise, Elaíze, Francis e outras, assim como as Associações que lutam pelos direitos dos animais a uma vida digna.
Para sensibilizar o seu coração, vale a pena ler “ Flush – Memórias de um cão ” da fantástica Virginia Woolf, que interpreta a vida pelo olhar do cocker spaniel de sua amiga poeta Elizabeth Barrett.
Leyla Martins Leong