Para minha amiga Neide Gondim
O carinho
começou de véspera, dentro de um prosaico super mercado onde ela escolheu com
cuidado, sem pressa, o melhor feijão, os maços de couve mais viçosos , os pés
de porco, as costelinhas, os chouriços, a carne seca e os outros ingredientes
de uma feijoada .
Com exceção
da couve, que é preparada pouco antes do prato ser servido, tudo foi posto de
molho à noite, para estar macio no dia seguinte. Enquanto catava os grãos e
cortava as carnes pensava nos amigos que iriam sentar-se à sua mesa para degustar uma comida feita com as suas
próprias mãos, com o maior carinho, somente para agradá-los.
Na manhã
seguinte bem cedo acendeu o fogo, dando início à cerimônia sagrada de preparar
o alimento, cujo aroma não tardou a espalhar-se pela casa prenunciando delícias.
Mais tarde
estendeu sobre a mesa a brancura de uma toalha bordada e engomada, sobre a qual
dispôs a louça, sem qualquer receio quanto à possibilidade de manchas
indeléveis ou de desfalque da baixela. Gestos de amor são assim: arriscados e
generosos.
Quando o
prato principal já estava encaminhado, as panelas alegres e fumegantes, foi a
vez dos doces. Sem descansar, quebrou e bateu ovos, peneirou e misturou o açúcar,
derramou o leite devagarzinho alternando com a manteiga, até que a massa
ficasse bem branquinha e o seu braço cansasse.
Esperou o forno esquentar antes de colocar a forma para assar em banho-maria e ficou por ali, aguardando que o cheirinho
do pudim dominasse a casa.
Só então
entrou no quarto para tomar banho e se perfumar para receber os amigos. Estava
radiante e o coração pulsava leve. Afinal vinha exercitando o amor há pelo
menos 24 horas.
A cada
abraço, o cansaço do trabalho braçal da cozinha foi se apagando como por milagre,
até desaparecer por completo no frescor das conversas.
Quem recebe
amigos com generosidade, seja ela de qualquer dimensão, em mesas ricas ou
pobres alimenta não só o corpo mas algo
mais sutil, misterioso e intangível. Quem assim o faz celebra a amizade e
agradece ao destino que escolheu pessoas tão queridas para lhe fazer companhia
nos caminhos da vida. Quem recebe se entrega e escancara o seu amor pelos
amigos, doa seu tempo, talento e graça para fazê-los felizes por alguns
momentos, pelo sabor de uma comida, o toque de uma taça, o riso facilitado por
uma bebidinha.
Quem aceita
o convite para compartilhar um alimento deve sentir-se privilegiado por ter
sido chamado para aquele momento tão especial e ao mesmo tempo tão cotidiano,
cuja intenção, aparentemente pequena e trivial é, na verdade, uma das maiores expressões do amor entre as
pessoas.
Ao receber
um convite não falte. Se não puder ir avise, justifique a ausência e agradeça.
Se aceitar,
reverencie aquele que abre a porta da casa e do coração para recebê-lo.
Agradeça a gentileza e não esqueça nunca de retribuir.
Leyla Martins Leong
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