Leyla
Martins Leong
Domingo à
tarde o poeta Luiz Bacellar subiu a escada do céu mansamente, com uma estrela tremeluzindo
na mão. Vestia seu paletó de brumas, a camisa de neblina e um arco-íris em
gravata atado em nó singelo.
Essas
imagens não são minhas, mas do próprio
poeta. São trechos dos poemas “A
escada”, em que usa esse elemento como
símbolo de uma partida definitiva e “O poeta veste-se”, ambos publicados em
“Frauta de Barro”, seu livro de estreia .
Luiz Bacellar
é, sem dúvida, o maior poeta que o Amazonas nos deu. O mais erudito, o mais sofisticado.
Publicou pouco, escreveu pouco, não importa: tudo o que disse é definitivo, belo, eterno.
Conheci
Luiz Bacellar no começo dos anos sessenta, na casa do meu avô, onde aos
domingos ele e outros jovens poetas se reuniam para ouvir música erudita. Anos
depois pude conhecê-lo mais de perto , nas
reuniões na casa do poeta Elson Farias, casado com minha querida amiga Roseli
Franco de Sá, prima de Bacellar.
O poeta com o nosso gato Tigrinho na rua das Orquídeas (Conj. Tiradentes) |
Certo dia ele
me pediu um favor. Pretendia abrir uma
conta bancária e precisava de uma certa quantia (pouca coisa) para poder realizar essa operação. Uma
exigência bancária. Prometi levar o dinheiro no dia seguinte. Ele insistiu que
me daria um documento declarando ser meu
devedor. No outro dia apareceu com
um envelope branco na mão. Dentro dele, um texto manuscrito no qual se comprometia a devolver a quantia que lhe
emprestara na data combinada. Logo abaixo, a data, a assinatura e o sinete
impresso no lacre vermelho.
O poeta tinha estilo e refinamento.
Vestia-se
com aparente simplicidade, calça e camisa de linho, chapéu panamá, bengala e um
indefectível colete, incorporado ao visual com o advento dos shopping-centers
refrigerados, onde costumava refugiar-se do calor manauara. No dedo mindinho, o
anel com o sinete.
O endereço
do poeta era um mistério para muitos. Não costumava receber visitas. Estava
sempre em público, caminhando nas ruas , almoçando em restaurantes, na casa dos
amigos, ou “filando” a comida cheirosa e
consistente servida aos funcionários da Livraria Valer.
Nos últimos
tempos, antes da desgraça abater-se sobre ele, um dos seus lugares prediletos
era a livraria Saraiva. Escolhia uma poltrona discreta e ali passava as tardes
num paraíso de livros, histórias e autores. Será que tem livros no céu?
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