quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Assassinato à luz do dia na praça de São Sebastião


Leyla Martins Leong

Foi preciso a força de oito criminosos para consumar o assassinato de uma só árvore. E nem era uma árvore daquelas enormes que vivem na floresta. Era uma pequena mangueira urbana que enfeitava e dava sombra aos caminhantes e namorados na Praça de São Sebastião.
Os oito carrascos acordaram cedo na manhã de sábado para executá-la. O horário, de pouco movimento,  teria sido  ideal,  não fossem os olhos atentos dos funcionários da Rede Rio Mar e de alguns vizinhos madrugadores que testemunharam a morte e imediatamente a denunciaram nas redes sociais, uma vez que é impossível qualquer comunicação com órgãos oficiais nos finais de semana.
Encresparam-se as águas dos defensores da cidade, da Natureza e do cumprimento dos  deveres do poder para com os cidadãos. Descoberto o mandante, veio então a explicação (?): a árvore estava doente e por isso deveria morrer. Sem tratamento, sem esperanças. Medida drástica e fatal.
E vieram também as suposições: ela teria sido cortada porque empatava a visão direta do Teatro Amazonas, fato que estaria estressando os ralos turistas que nos visitam e precisam voltar para casa com pelo menos uma foto justamente daquele ângulo  do Teatro; ou ela, coitada, nasceu no lugar errado, atravessada no caminho do Auto de Natal; ou ainda, ela teria sido morta para dar lugar a um novo quiosque de venda de quinquilharias.
O certo é que essa ação criminosa, que antes passava batida para uma população indiferente, agora toma novas  proporções. Tudo dá a entender que despertamos do longo sono da leseira baré que nos impediu de protestar diante de décadas de desmandos que (quase) destruíram a nossa cidade.
Foi assim que sumiu uma escada caracol toda trabalhada do Mercado Adolfo Lisboa e, de lá também, um relógio alemão  enorme que dava as horas de frente para o rio Negro, algumas penteadeiras  e as portas de madeira nobre e cristal, trabalhadas sobre o tema do guaraná,  que separavam o hall do Teatro Amazonas do acesso à plateia. Os paralelepípedos de borracha que forravam algumas calçadas do centro e outras joias da nossa história. Estátuas, fontes, pavilhões e até bondes somem ou mudam de lugar sem qualquer explicação. Projetos param de funcionar, centros de cultura fecham, abrem, são extintos sem que seus gestores se sintam na obrigação de justificar.
Agora o cidadão aprendeu  a cobrar satisfações dos gastos públicos, dos prazos não cumpridos de obras fantasmas como a restauração do Mercado Municipal Adolpho Lisboa e da Biblioteca Estadual que, somados, se estendem por mais de uma década sem explicações convincentes.
Conscientes da importância da arborização para a beleza e saúde de uma cidade que tem tudo para ser feliz, o povo protesta. O replantio de 500 árvores não compensa a morte de uma sequer, pois a Natureza é única em seu equilíbrio. Os gastos exorbitantes com os  trens  da alegria dos viajantes oficiais que dizem estar promovendo a imagem do Amazonas no exterior ( com o nosso dinheiro, é claro) não compensam nem chegam aos pés do efeito positivo da preservação dos bens públicos  e do respeito aos  cidadãos e à cidade. 

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